Papai

Em 1 de outubro de 1921 nasce João Baptista, natural de Vitória, Espírito Santo. Influenciado pelo pai, se encantou pela arte, tornando-se também um pintor.
Sua trajetória se inicia como desenhista na Vale do Rio Doce em Vitória (1940/1945) , também exercendo o mesmo ofício no extinto IAPETEC no Rio de Janeiro (1946/1982). Aos 36 anos, já vivendo no Rio de Janeiro, resolve cursar uma universidade e entra para ENBA - Escola Nacional de Belas Artes (hoje EBA-UFRJ), onde faz o curso de pintura (1957/1961) e ganha o prêmio maior: a Medalha de Ouro em 1962 - Pós Graduação. Em 1966 ingressa na extinta TV Tupi como cenógrafo, posto que ocupou até 1967. Em 1970 João presta um concurso para professor do SENAC (Marechal Floriano) e ministra aulas no curso de Decoração e Desenho Básico até 1987, quando se aposenta.

Decidi iniciar este blog para meu pai porque tinha um acervo enorme em minha casa, então escaneei tudo, e resolvi dividir sua história e sua vida com os familiares e amigos.

Aproveitei o espaço disponibilizando também vários capítulos do livro que ele escreveu. São relatos da infância e juventude em Vitória que meu pai não conseguiu publicar. Esse livro foi escrito aqui em casa, com a participação minha e de minhas filhas revezando a digitação dos rascunhos, até que um dia ensinamos a ele, que aprendeu também a operar o editor de texto.

Por fim, peço também para quem tiver algum quadro dele ou até mesmo gravura que fotografe e mande para mim, para dividirmos com mais pessoas e ampliarmos seu acervo.


Qualquer coisa click aqui e me envie um e-mail

Livro de memórias

Você pode acessar partes do livro que João escreveu, acima separados por títulos. Livro que retrata a infância e adolescência em Vitória

Os tipos populares

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“Os tipos populares”

Chu...u....u....u…u...u...u...pa!
Chupa é a mãe, seu filho-da-puta!
O impropério ressoava no largo do São Francisco, vindo de um dos mais populares tipos da cidade. Saía de manhã cedo da casa de “Mamãe Augusta”, que morava em frente ao largo do Carmo, para um passeio matutino, subindo a rua Cel. Monjardim a passos lentos, apoiando na bengala seus 70 e muitos anos de idade indefinível, mormente os que como ele portavam uma pele escura onde somente as cãs evidenciavam o correr dos anos, escamoteando a idade biológica.
Ao contrário de Grapuá, estava sempre limpo, e bem trajado, portando um chapéu de feltro à cabeça, mãos repletas de anéis baratos, cordões com santinhos ao pescoço e na camisa as “medalhas” ganhas em imaginárias batalhas no “front” paraguaio, simples tampinhas de cervejas fixadas à mesma pela contraparte de cortiça, que naquele tempo as acompanhavam. Se não fosse provocado pelo apelido era cortês, falando de sua lendária fazenda de leite e mel em S.Paulo, entre outras coisas que o tempo e a memória esbateu.
Grapuá descia o morro, vindo do antigo necrotério, onde dormia e descansava os ossos daquela vida precária e infeliz, sempre sujo, cabelos que nunca tiveram contato com um pente, perfil lombrosiano, olhos faiscantes, mormente quando a caninha estava presente, sempre de mau humor, transparecia aquela loucura mansa, voz roufenha, ininteligível, gutural, sempre descalço portando às costas um saco de aniagem, cheia de quinquilharias dadas ou apanhadas na rua, e de pouca ou nenhuma conversa. Lembro-me, e o riso assoma a minha face, no lusco-fusco da noite, ele encenando um patético e simulado coito .......com um poste de iluminação publica, bêbado, num estranho e romântico devaneio com aquela fria e inorgânica massa de ferro
                                   O louco
                                   “Com gestos largos e desordenados,
                                   Ele desapareceu na noite.
                                   Disser-ia que tentava colher estrelas”
Esse poema chinês traduz a patética cena, colher estrelas, talvez ganhar um pequeno “status” social naquela vida triste, miserável e solitária.O sonho na maioria das vezes nos nivela, espelhando uma fuga à realidade.
Já a Gloriosa Rainha das Flores, vinda lá das bandas do Fórum, quando não descia a Azambuja para ganhar a Gama Rosa, aparecia invariavelmente no Largo.
Éramos todos súditos daquela figura singular. Blusa leve rendada, pescoço com colares vários multicoloridos, brincos, chapéu de abas largas, saia bem acima da linha dos joelhos, meias e sapatos altos emoldurando as finas e escuras pernas, bolsa, sombrinha, sobraçando um imenso ramalhete de flores. Lá vinha altaneira e festiva Sua Alteza, riscando no ar e em redor um halo de sorrisos, a medida que era saudada por moradores que das janelas e portas a avistavam e curtiam a sua passagem. Às vezes parava a solicitação de uma conversa, e o gesto generoso de destacar do ramalhete uma flor ofertada como brinde a interlocutora. Excessivamente maquiada, o rosto magro emoldurava uma máscara branca de pó de arroz compacto, o rouge era conseguido com a tinta do papel de seda vermelho que usávamos para a confecção de pipas, quando molhado, e os lábios carnudos exibiam um carmim escuro de batom em boca falha de dentes.
O andar era dengoso e a curtos passos. Um “figuraço” a mais representativa figura de nossos tipos de rua.Outra com presença constante no Largo era a Bé. Figura emasculada, o tronco era uma tabua corrida, desprovida de seios, braços longos rijos e fortes, pernas grossas de andarilho, sempre descalça, cabeleira lisa e longa amarrada atrás por um simples barbante,portando sob o queixo um cavanhaque,daí o apelido,que aceitava como provocação sem retrucar,cumprindo o seu mister de entregadora de marmitas.
Quantas vezes a vi descendo a Rua D.Fernando descalça, sob a chuva fina cumprindo o seu diário labor, silente sem retrucar aos apodos. Em sua solidão, ela me causava um misto de dó e piedade e não a provocava, vendo-a passar no passeio molhado.
As ruas de Vitória perderam o encanto de suas presenças. O tempo que tudo apaga, trás a nossa memória, o encanto daqueles dias ensolarados e felizes, eles presentes emoldurando o cenário de nossas ruas. Deve estar em um bom lugar, reservado àqueles que como eles viveram uma vida simples e honesta. Nunca enganaram ninguém em palanques públicos, nem se apropriaram de seu Erário. Desprovidos de riquezas materiais, mas prenhes da alegria que espalharam em nossos corações, deixaram uma lembrança suave e imorredoura.
E tangidos talvez pelo “coroinha” Elmo Elton Zamprogno, católico,digno biógrafo de suas vidas, encontraram  sem dúvida, o caminho da Eternidade.


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Nenem Grijó

Aqui a bordo uma singular figura da “fauna” capixaba da época, filho de uma das mais tradicionais famílias da cidade que marcava sua presença nas ruas pelo trajar impecável. Estava sempre bem fatiotado, ora portando impecáveis ternos de linho no verão, sobraçando à cabeça um fino panamá, tendo invariavelmente uma vicejante flor à lapela, de preferência um rubro cravo, ou então no curto inverno que chamávamos em Vitória os dias em que predominavam as frias rajadas de ventos do quadrante sul, vestido com ternos de impecável casimira inglesa com a indefectível flor à lapela espetada calçado com as elegantes polainas usadas na época..
- Como vão ficando para trás as memórias de um povo modesto, mas que se vestia com elegância e apuro? E Grijó era um deles. Saía para o serviço fino e delicado de vistoriar os logradouros públicos da cidade e era encontrado invariavelmente em manhãs gloriosas de sol na Praça da Independência e ao crepúsculo das tardes estivais no Parque Moscoso, em seu mister de Diretor de Parques e Jardins, título pomposo de seu cargo na prefeitura da cidade. Era de uma simpatia irradiante, vivo, cheio de trocadilhos xistosos, imprevisível e profunda irreverência. O que me propus narrar e motivo de minhas lembranças atesta sua irreverência incontida, freqüente ele próprio, achando graça no que falava e rindo na cara encabulada do interlocutor.
Muito amigo de meu pai, que era chamado carinhosamente por Pintinho, o diminutivo denotando afeição herdada das hostes desportivas onde ele reinou como goleiro ímpar do Rio Branco F.C. e com quem conversava em encontros fortuitos pela cidade. Em um destes encontros, narro o que presenciei, pois estava em companhia de “seu” Aldomario no Parque Moscoso, confluência da Av. República com a Av. Cléto Nunes, onde o Grijó estava entregue a seu trabalho, dando ordens a seu encarregado no plantio de roseiras em um dos canteiros daquele logradouro público. Depois das saudações afetuosas como velhos amigos e conhecidos, passou ao largo um transeunte e à guisa de gozação indagou ao Grijó.
- Oh Grijó, você está tão elegante, para onde você vai?
E Grijó virando para meu pai.
- Pintinho a gente não pode se vestir melhor e todo mundo fica indagando coisas e se intrometendo na vida alheia! E virando-se para o interlocutor saiu-se com esta que causou a mim e a meu pai, gargalhadas pelo inusitado da resposta pronta e precisa
- Queres saber mesmo aonde vou!  -Vou à mer....d....a, entendeu, queres vir comigo?